sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Linha 34



Um dos motivos da minha ausência prolongada, se é que a alguém isso interessa, foi uma quantidade surpreendente e inesperada de trabalhos acadêmicos. Acho justo, portanto, que alguns desses trabalhos (os menos obtusos, aqueles que não são feitos simplesmente na base de repetição basbaque para posterior aprovação) acabem sendo publicados aqui. O semestre foi bom porque voltei a especular sobre Machado de Assis. Como resultado, posto aqui dois textos menores em tamanho e pretensão: interpretações pouco comprometidas de "Missa do galo" e de "O espelho". Por fim, um ensaio mais extenso sobre Memórias Póstumas de Brás Cubas.


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Questões de estilo


É possível afirmar que ninguém lê Machado de Assis. Que, para conhecê-lo, a releitura, mais do que uma opção, é expediente inevitável. Lê-lo e abandoná-lo é contentar-se com uma impressão forte, mas pouco segura. Isso se deve, na maior parte das vezes, à sua sutileza. É verdade que, vez ou outra, sobretudo em contos mais pesados e longos como "O alienista", a releitura se impõe por conta da densidade de suas idéias e da profusão de temas que abarca. Mas é a sutileza sua marca maior: ela está, por exemplo, em "Um homem célebre", em "Uns braços" e, sobretudo, em "Missa do galo". Pois ser sutil é também isso: escrever um conto como se o escrevesse para que não haja interpretação, para que o leitor e o crítico se restrinjam às paráfrases e aos resumos do enredo. Não pela obra ser desinteressante ou vazia, mas por se configurar como insondável. Debruçar-se sobre as interpretações de "Missa do galo" só pode ser uma atividade demorada e exaustiva: existem possibilidades sociais, psicanalíticas, religiosas e mais outras tantas. Caberá ao leitor, mais do que escolher uma delas e descansar como se tudo houvesse sido desvendado, compreender a grandiosidade de Machado justamente na sua capacidade de sugestão. Nesse sentido, "Missa do galo" é Dom Casmurro: é a obra da discussão perene, da inconclusão.

O conto foi editado em 1889. Àquela altura, Edgar Allan Poe já estava morto há meio século. Tchekhov e Maupassant ainda publicavam seus contos. O formato da narrativa curta, a partir das obras do norte-americano, do russo e do francês ganhava contornos definitivos, formando regras e receitas: o conto será conciso e justo; nele, nada pode sobrar, nada pode faltar; alguns seguirão Poe em seus jogos e enigmas intelectuais; outros serão certeiros e contundentes como Maupassant; alguns, ainda, adotarão a leveza e a inconclusão de Tchekhov. A contística de Machado não se prende a uma única tendência, mas "Missa do galo" filia-se claramente à linha tchekhoviana. Mas, explique-se: o termo é tchekhoviana por contingências políticas, econômicas e idiomáticas que, embora não venham ao caso, existem e são irrefutáveis. Pois, assim como Poe, Tchekhov e Maupassant, Machado é inventor: seu texto curto situa-se no mesmo nível das referências estrangeiras aqui citadas. No entanto, "invenção", no que concerne à literatura, é tema por demais espinhoso para que seja tratado nesse breve texto. Fique-se, portanto, com uma variante da afirmação feita: assim como Poe, do mesmo modo que Tchekhov e tal qual Maupassant, Machado é bom.

Uma análise da qualidade estética do conto deve iniciar-se, nesse caso, por considerações estilísticas. "Missa do galo" é prosa clara, demarcada aqui e ali por um coloquialismo de época que, à nossa leitura atual, soa humorística, de um humor leve e agradável, sobretudo nos diálogos evocados pelo narrador:

"- Não! qual! Acordei por acordar."

ou

"- Que velha o quê, D. Conceição?"

Não há obscuridade no estilo de Machado. Sabe-se perfeitamente aquilo que o narrador escreve: não resta dúvida sobre a situação, sobre aquilo que é dito e aquilo que é feito. No entanto, ao lado de toda essa simplicidade e dessa clareza, crescem as dúvidas acerca do que não é dito e do que não é feito — o conto se funda naquilo que é latente ou possível. Daí a profusão de interpretações: se Machado não determina, o leitor está livre para fazer suas próprias associações e desvendar o motivo que leva o narrador, após tantos anos, a lembrar-se, ainda com espanto e curiosidade, do acontecimento daquela noite de natal. O fato de ser um conto feito de memória, aliás, também é importante: com tantos anos passados, há que se desconfiar das impressões e das reminiscências de quem narra — sobretudo se considerarmos, como o próprio Nogueira faz questão de anotar, que muito daquilo fica à conta dos seus dezessete anos.

À suposta banalidade da situação e das conversas entabuladas durante o conto, chegam também certo panorama e certa ambientação que não se restringem à sala onde conversam Conceição e o nosso narrador: recorde-se, por ora, do marido infiel e do iminente retorno de Nogueira à roça. Os personagens não estão suspensos e, mesmo entre essas duas figuras centrais, que se encontram num momento de tanta intimidade e solidão, a condição anterior se impõe. Tome-se o seguinte exemplo: o epíteto de "santa", dado à Conceição, parece vez ou outra nublar as possibilidades e obliterar a compreensão plena do que poderia ocorrer naquela noite.

É perceptível, portanto, que a condição "fotográfica" do conto, narrativa localizada, não é inteiramente fechada: a todo momento, por diversas frestas, sejam elas sociais, psicológicas, religiosas ou mais outras tantas, o conto se reveste de sentidos e possibilidades novos e insuspeitos.

Mais do que da arguta percepção social ou da investigação fina que faz da mente e do comportamento humanos, o mérito de Machado é o do artífice que, por meio de um trabalho estético invejável (conciliando obscuridade temática e nitidez estilística), dá ao leitor uma chance rara: o privilégio de participar ativamente da fruição intelectual de sua obra.

Linh 33

Fenomenologia da laranja

Trata-se de um consenso crítico: Papéis avulsos, coletânea de contos publicada em 1882, é um marco fundamental na evolução literária de Machado de Assis. Lá estão, por exemplo, clássicos como "O alienista", "Teoria do medalhão" e "O espelho" (a respeito do qual aqui se escreve). Melhor, no entanto, é fugir dos consensos e lançar-se à obra: "O espelho" não é um conto que se submeta a qualquer espécie de análise esquemática baseada na evolução de Machado como artista e gênio solitário no século XIX brasileiro ou no desenvolvimento de uma corrente literária (muito mais tênue e enferrujada do que supõe uma crítica pouco comprometida com o texto) nesse mesmo século, sob esse mesmo gentílico.

Uma leitura que se ampare, por exemplo, na imagem de um Machado enquanto patrono das letras brasileiras, figura sisuda que impõe respeito e temor a quem quer que se aproxime dos seus escritos, estará sujeita a um equívoco costumeiro na apreciação da narrativa machadiana, qual seja, diminuir ou ignorar o seu humor e a sua ironia. Essa ironia, naturalmente, já se revela em seu próprio estilo, sobretudo na escolha dos adjetivos e no tom utilizado por seus personagens, que muitas vezes falam como se discorressem sobre os temas mais graves da existência humana quando, em realidade, despejam obviedades e observações pretensamente filosóficas.

Já no parágrafo inicial, não se pode deixar de ter a percepção de que Machado procura ridicularizar os "quatro ou cinco cavalheiros", "quatro ou cinco investigadores de cousas metafísicas" que, segundo o narrador, estavam "resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo". Ora, ainda que, a princípio, não se considere ridícula a situação de um grupo de amigos que discute temas filosóficos noite adentro, é impossível ignorar que o referido narrador transforma essa cena em algo patético porque ele mesmo a observa como algo patético. Seu tom é nitidamente sarcástico, o que se percebe por meio da já referida adjetivação extremada (vide "os mais árduos problemas").

Seguindo a leitura, logo se perceberá que a figura central da narrativa é Jacobina, o mais calado dos investigadores. Quando encontra a explicação paradoxal para o posicionamento passivo de Jacobina, o leitor está habilitado a perceber a amplitude da ironia machadiana, pois tanto são ridículos os que investigam o universo quanto o que se exime de investigá-lo amparando-se em justificativas obtusas. Quando resolve falar, Jacobina apresenta uma longa reflexão sobre a alma humana, que ele afirma não ser apenas uma, mas duas: uma interior e outra exterior. Trata-se, obviamente, de uma idéia estapafúrdia — ou melhor: o narrador a trata como uma idéia estapafúrdia. Todo o despropósito da teoria de Jacobina se condensa numa afirmativa sua, segundo a qual o homem è "metafisicamente falando, uma laranja". Nesse absurdo, Jacobina reduz o homem e a metafísica a uma laranja e dá a medida exata da profundidade do seu pensamento.

Não se trata de um expediente raro na ficção de Machado de Assis: lembre-se, por ora, de Quincas Borba, inventor de todo um sistema filosófico (intitulado Humanitismo) que se resume no famoso "Ao vencedor, as batatas". A filosofia de Humanitas, no entanto, se desenvolve de forma inversa, sobretudo porque Quincas é um representante feroz de uma espécie de darwinismo social, um arranca-rabo existencial que sempre propõe e valoriza o combate e a superação. Jacobina, por sua vez, é profundamente pacífico: exime-se de qualquer tipo de discussão e quer, ao contrário de Quincas (que encontra justificativa até mesmo para a guerra) evitar a "bestialidade" humana que um debate, segundo ele, representa. Seja como for, as duas filosofias se encerram em imagens que se relacionam: a batata e a laranja; e, seja batata ou laranja, seja Quincas ou Jacobina, tudo se revela, para esse narrador, como exemplos de falsa erudição e de filosofia barata.

Embora aqui se considere impossível uma discussão séria das propostas filosóficas de Jacobina, é necessário, para a compreensão do conto, que se busque compreendê-las e relacioná-las à personalidade delineada nos trechos iniciais da narrativa. Como muitos dos personagens de Machado, Jacobina é um homem obcecado por títulos e por sua reputação. Não é, de forma alguma, tema estranho à tradição literária brasileira: no século XX, por exemplo, esse traço seria fundamental na construção dos personagens de Lima Barreto, a maioria deles preocupada com o título de bacharel ou doutor. No caso de Machado, escrevendo num país ainda sem universidades, o personagem anseia por uma nomeação militar: torna-se alferes e a perspectiva de sua observação (seja de outras pessoas, como os escravos, ou de si mesmo) se altera e se reconfigura de forma a partir sempre do posto de oficial que agora ocupa.

Jacobina se enxerga apenas enquanto portador de um cargo militar: não há homem, só há o alferes. Nasce daí, portanto, a sua filosofia tortuosa, que caminha e se desenvolve de maneira a justificar a sua condição de homem puramente exterior, esvaziado de intelecto e de espírito. Durante o conto, ele mesmo afirma que "O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primeira cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade". Não há, no entanto, nenhuma observação sua de que isso se trate de algo a se lamentar ou combater, ao contrário: o fato de vestir a farda para reconhecer-se no espelho e situar-se outra vez no mundo e no seu próprio corpo indica a sua desistência de buscar, por si mesmo, uma personalidade que o amparasse em momentos de desespero. Daí que sua filosofia é a da acomodação, do contentar-se com aquilo que está mais à mão, do aviltamento tanto do caráter quanto da propensão humana à dúvida e à experimentação — e assim se esclarecem o seu mutismo e as suas teorias.

Mas que não se tenha certeza a respeito do que aqui se afirma. Pois que certeza só interessa aos Jacobinas.

Lina 32



Machado em particular

Mário de Andrade, em Aspectos da literatura brasileira, inicia seu escrito sobre Machado de Assis assumindo alguns riscos. E sua postura vai além, pois parece que gosta mais de se mostrar arriscando do que de propriamente arriscar. Orgulho compreensível do crítico: escrevendo em 1939, Mário já mexe num nome sagrado, já toca no intocável. Verdade que, à época, a fortuna crítica do Bruxo não era ainda tão vasta e nem tão laudatória (considerando-se, aqui, que a louvação aumentou na medida em que a fortuna também cresceu), mas já era, sim, um ato de coragem e de orgulho questionar nosso gênio em algum ponto. A condição sui generis da prosa ensaística de Mário não se encerra aqui. A idiossincrasia parece ser seu recurso preferido — e lemos o homem começar seu texto falando de amor. Não se ama Machado, não se pode amar Machado — Mário está convicto de que a sua admiração, de que a sua estupefação diante da obra de Machado não pode se converter em amor. Mas aqui se inicia uma confusão elementar: Mário já não está nos falando da obra, mas da figura. Na sua concepção, a obra de Machado aparece comprometida pela sua figura, que o ensaísta julga desagradável, pernóstica. Dá-nos alguns exemplos de escritores "amáveis": Castro Alves, Gonçalves Dias, Camões, o Dante lírico e juvenil da Vita Nuova — artistas aos quais não faltam "dons de generosidade", "confiança na vida e no homem" e "esperança". Embora me pareça difícil definir até que ponto Mário se deixa seduzir pelo biografismo, sobretudo porque hesita educadamente diante das conclusões de Peregrino Júnior a respeito das relações entre a obra de Machado e a sua doença, é inegável que a sedução e a entrega existem. Mas, para contrariar a sua idéia de amor literário, recordo-me, por ora, de Jack Kerouac, autor cuja obra é amada por um sem número de jovens leitores — ainda que, em certo momento da vida, ele tenha se tornado a antítese de tudo que a sua escritura revolucionária representa: um homem obeso, infeliz e reacionário que deplorava aquilo em que, junto com seus personagens, costumava acreditar. E o amor por On the road, no entanto, persiste.

Por ora, basta com Mário. Também preciso declarar os riscos que assumo: concentrando meu texto em outros textos que não as Memórias Póstumas propriamente, posso perder-me e encerrar o ensaio voltando-me pouco para Machado. É questão de modéstia, mas também de ousadia: modéstia ao reconhecer que não se diz algo válido sobre Machado acreditando-se sozinho diante da obra, desprezando o diálogo com quem, em diversos momentos, já se meteu a conhecê-la realmente; e ousadia, afinal, porque é minha intenção fugir de uma exegese básica e inevitavelmente repetitiva: estou interessado em superar a minha própria perplexidade diante do fenômeno machadiano que, em certa medida, também oblitera a minha apreensão da grandeza literária de sua obra — grandeza que o leitor brasileiro já não se preocupa em descobrir, contentando-se em reconhecer, constatando a descoberta alheia.

Não são poucas as minhas inquietações relativas à consolidação de Machado como o maior ficcionista brasileiro. Primeiro, volto-me às generalidades: fala-se muito de Machado 1) como um observador arguto da sociedade em que viveu e 2) com protagonista solitário da revolução realista na literatura brasileira. Na maior parte das vezes, o segundo ponto termina por ser submetido ao primeiro e a dita revolução machadiana não encontra a devida análise formal: a revolução literária se resume à revolução de ordem semântica. O valor de Machado, então, cresce a partir do momento em que determinado capítulo ou conto pode servir de ilustração a determinado aspecto ou fato social de época. Não é algo estranho à tradição crítica brasileira, tão pouco dada às análises estéticas ou formais, tão afeita aos estudos de extrato sociológico ou histórico. Roberto Schwarz, no que diz respeito à crítica específica de Machado, é talvez o exemplo mais bem acabado desse tipo de abordagem. Não se trata, de forma alguma, de negar o valor de estudos que se pautem nos princípios aqui considerados, mas de buscar ampliar o número de sistemas críticos na literatura brasileira e, afinal, na consideração da obra de Machado. O trabalho de Schwarz, a meu ver, parte da louvável tentativa de compreender o fenômeno machadiano e de situá-lo em seu tempo e espaço — a sua busca, nesse caso, é pela superação do deslumbramento, pelo entendimento do terreno que pôde gerar Machado de Assis. No entanto, a sua conclusão de que são os narradores machadianos, a partir das Memórias Póstumas de Brás Cubas, que permitem a escritura daquela prosa diferenciada (e que isso se dá por conta da adoção, por parte do escritor, do ponto de vista da elite brasileira), não me parece satisfatória. Schwarz gosta de enfatizar o que chama de aspectos "extra-estéticos" — mas sigo me perguntando de que modo um elemento extra-estético pode chegar a fazer parte de uma obra de arte sem se tornar, ele mesmo, um elemento estético em sua essência; e, embora Schwarz pareça aceitar essa premissa, em momento algum ele esclarece satisfatoriamente o modo como isso se dá na obra que analisa. Lukács, crítico e teórico caro a Schwarz, escreveu que “(...) uma tal concepção social não está em condições de oferecer ao crítico uma norma objetiva para julgar o valor estético dos fenômenos literários” (p. 225). Referia-se, àquele época, ao que chamava de “sociologia vulgar”, espécie de degeneração burguesa e decadentista, no âmbito da crítica literária, das relações entre arte e sociedade no século XIX — e aqui parece-me difícil tirar-lhe a razão. No entanto, a concepção social marxista, ainda que de natureza diversa da vulgarização sociológica apontada por Lukács, ainda que amparada numa objetividade que alcança o determinismo (ou justamente por isso), também perde a condição de oferecer ao crítico não uma norma, mas um método devido para julgar o valor estético dos fenômenos literários em suas particularidades. Percebe-se o perigo constante e real dos absolutismos e, sobretudo, do proselitismo.

A "conversão" dos elementos extra-estéticos, citada no parágrafo anterior, se impõe em todos os níveis e espécies de elementos extra-estéticos — e quem nos mostra a sua medida é o próprio Brás Cubas num capítulo direcionado aos críticos (CXXXVIII). Explica-nos brevemente as alterações de andamento e estilo de sua frase afirmando que "em cada fase da narração da minha vida experimento a sensação correspondente." A dita volubilidade desse narrador, que Schwarz prefere tributar à sua condição de brasileiro bem-nascido, é tratada, no romance, como decorrente das contradições e das metamorfoses do próprio homem — e, se não do homem geral, do homem que é Brás Cubas. Noutro momento, lê-se que o homem é "uma errata pensante... Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes". Considerando que a vida de Brás Cubas é o próprio livro, livro este repleto de gêneros, tons e traços literários diversos, não seria um disparate pensá-los (a Brás Cubas e ao livro de Brás Cubas) como a narração de sucessivas erratas cuja edição final é, como indica a dedicatória, dada literalmente aos vermes — o corpo enterrado e o livro oferecido. Perceba-se, então, que os registros volúveis do romance, mais do que da condição social do narrador, decorrem da intricada relação das tendências do indivíduo com as mediações daquilo e daqueles que cercam esse indivíduo; essa premissa parece livrar Machado de uma análise determinista (uma espécie de vertente econômica do naturalismo de época) à qual Schwarz procura submetê-lo. A referida volubilidade, por exemplo, é capaz de se fazer presente, inclusive, nas reviravoltas que atingem as vidas de pobres e miseráveis como Prudêncio e D. Plácida — portanto, não é, de forma alguma, exclusividade do narrador de elite. Schwarz, naturalmente, opõe-se à leitura das Memórias nesse sentido. Mais adiante, retornarei ao ponto. Por ora, volto a Mário de Andrade.

É curioso notar que, a certa altura do seu ensaio, Mário entenda Machado de Assis como um autor pouco propício a interpretações de ordem histórica e sociológica:

"Como um acadêmico, era um desprezador de assuntos. Era um estético. Era um hedonista. Há contos dele movidos com tão pouca substância, tão sem uma base lírica de inspiração, que se tem a impressão de que Machado de Assis sentava para escrever. Escrever o que? Apenas escrever. Sentava para escrever um gênero chamado conto, chamado romance, porém não tal romance ou tal conto. E é porque tinha no mais alto grau uma técnica, e bem definida a sua personalidade intelectual, que saiu este conto ou aquele romance". (p.106)

Essa visão de Machado é certamente equivocada e, como se sabe, vai sendo abandonada pouco a pouco com uma notável profusão de trabalhos que enfatizam a relação íntima (se bem que desconfortável) entre Machado e os temas da época em que viveu e escreveu. Pode-se, numa primeira leitura desatenta, acreditar que "Missa do galo" foi feito sob as circunstâncias descritas por Mário, que Machado sentou-se e escreveu-o, mas qualquer observação atenta ao conto revela a poderosa substância psíquica de que os personagens, por exemplo, são compostos.

O posicionamento representado por Mário, no entanto, não parece ter gerado em momento algum (no seu ensaio, pelo menos, em momento algum) uma crítica propriamente estética. Parece-me que a fortuna machadiana passa do biografismo extremo para o historicismo igualmente exagerado, sem nenhuma mediação de ordem estrutural, formal ou, enfim, estética. Predomina, na nossa tradição crítica, o estudo do que Todorov chama relações literárias in absentia ("relações entre elementos presentes e ausentes" p. 21) em detrimento das relações in praesentia ("relações entre elementos copresentes" p. 21). O teórico búlgaro afirma, naturalmente, que não se tratam de relações absolutas. Como exemplo, escreve que "Há elementos ausentes do texto que estão de tal modo presentes na memória coletiva dos leitores de uma dada época que temos praticamente de nos haver com uma relação in praesentia" (pp. 21-22) — e isso, ao que parece, foi percebido pelos críticos na obra de Machado. Abriu-se um caminho promissor para novas leituras, mas não há indícios de que ele tenha sido devidamente explorado.

A princípio, parece-me um disparate posicionar-se contra a utilização de textos literários como fontes históricas. A literatura, sendo um produto humano, está lançada aos humanos, que a utilizam das mais variadas formas — e utilizá-la historicamente é uma das formas mais previsíveis e compreensíveis. O grande equívoco, no entanto, é desrespeitar o caráter particular do texto literário e tratá-lo como mero documento. Todorov escreve que "pondo a literatura no mesmo patamar que qualquer outro documento, desistimos, evidentemente, de ter em conta aquilo que a qualifica como literatura" (p. 28). Não se pode acreditar na possibilidade de tratar um texto literário historicamente sem tratá-lo esteticamente. E tratá-lo esteticamente é tratá-lo em todas as suas instâncias, sejam elas semânticas ou formais. É óbvio que essa visão total da obra não invalida uma posterior divisão a título de estudo — contudo, o estilo, a linguagem, as figuras retóricas, etc. são partes integrantes da estrutura primária de um texto ficcional; a História, por sua vez, não o é: está presente no texto, mas só pode ser alcançada por meio da consideração estilística, de linguagem, etc. Inverter essa relação no processo de análise é comprometer a leitura.

Tudo o que aqui se buscou resumir e entender, a meu ver, está ligado, sobretudo, à leitura de Machado de Assis como um autor realista ou, sendo ainda mais específico, à leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas como um romance realista. É sabido que Machado repudiou o preceito realista. Sobretudo ao criticar Eça de Queirós, o escritor brasileiro foi admiravelmente enfático: "Este messianismo literário não tem a força da universalidade nem da vitalidade; traz consigo a decrepitude (...) Voltemos os olhos para a realidade, mas excluamos o Realismo, assim não sacrificaremos a verdade estética"; antes, é irônico com as descrições excessivas, típicas do gênero: "Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha". É bastante simbólico que, nas Memórias Póstumas, o capítulo mais descritivo se concentre num delírio sofrido pelo narrador. Ainda assim, mesmo nesse capítulo, surgem algumas invectivas contra a descrição: "Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago". E, se se quiser encerrar definitivamente um parágrafo sobre a negação do Realismo por parte de Machado, cite-se outra afirmativa sua: "há um limite intranscendível entre a realidade, segundo a arte, e a realidade, segundo a natureza".

A partir do Machado anti-naturalista e anti-realista seria possível inferir, além de um Machado em posição contrária à do seu século darwinista, um Machado convicto da superioridade humana. Passo equivocado. Isso seria tomar Machado pelo Brás Cubas que, ainda não convertido ao Humanitismo, se depara com insetos e, aproveitando-se da ocasião, trata de afirmar sua superioridade em relação aos invertebrados. Mas a intenção de Machado, nessas cenas, é irônica. Machado jamais poderia, tal qual Quincas Borba, dissertar séria e apaixonadamente sobre a estreita relação entre a briga de dois cães por um osso e as disputas humanas. Ao que parece, só poderia observar tais disputas em níveis distintos, se bem que não hierarquizados: Machado se interessa pela consciência do homem não como um trunfo óbvio, mas como uma espécie de perigo sutil e perene. Por isso diz Pandora: "Vives: não quero outro flagelo"; por isso Brás Cubas vê o prazer, também no delírio, como uma "dor bastarda". À época, inexistiam idéias ou estilo semelhante no romance brasileiro, que nascia romântico. E, posto que o Ceticismo não foi escolhido como nome de nenhuma corrente ou escola literária, Machado foi filiado ao Realismo.

Inicialmente, o Realismo parece entendido, nesse caso, mais como uma reação e um posicionamento contrários ao Romantismo (no qual cabem as mais diferentes estéticas desde que todas elas se pautem — e aqui uso a definição algo rasteira da tradição didática brasileira — numa idealização menor ou inexistente) do que como uma escola coesa e discernível. Ainda hoje esse parece ser um problema didático decorrente de um entrave crítico. Todorov, a esse respeito, escreve que

"O problema da relação entre literatura e factos extraliterários confundiu-se muitas vezes, sob o nome de 'realismo', com um outro, que consiste na conformidade do texto particular com a norma textual que lhe é exterior; esta conformidade provoca a ilusão do realismo e faz-nos qualificar esse texto como verossímil". (p. 28)

Nada mais inverossímil do que o ponto de partida das Memórias Póstumas: o homem morto que pode narrar. Entenda-se que não importa se o narrador está morto de fato ou se finge de morto: o pressuposto inverossímil e agressivo em relação ao Realismo está presente nos dois casos. Daí que a definição moderna (aceitemos o moderna por falta de termo mais adequado) de Machado de Assis como realista é de outra índole, muito mais sociológica e política do que formal. Schwarz, por exemplo, parece pouco interessado em qualquer espécie de definição de uma corrente literária realista, sobretudo se específica do século XIX, mostrando-se mais preocupado com o realismo na medida em que este se define pelas intersecções entre obra ficcional e elementos extra-literários, sobretudo sociais e políticos. Trata-se de uma inegável (e potencialmente enriquecedora) evidência de transição do viés crítico sob o qual a obra de Machado havia sido trabalhada.

O perigo óbvio desse viés é o de desfazer o texto machadiano apenas em referências históricas concretas. Em entrevista a Augusto Massi, Schwarz afirma que "Machado é o romancista da desfaçatez das elites brasileiras, e não do 'homem em geral', como freqüentemente se diz" (p. 222). Trata-se de uma afirmação bastante redutora — que de forma alguma dá conta da complexidade dos personagens machadianos. Como já foi dito, a própria volubilidade e iconoclastia de Brás Cubas, apontada por Schwarz como traço central para a revolução da prosa de Machado, não é característica única dos personagens de elite — aliás, parece-me difícil vislumbrar uma elite brasileira do século XIX marcada pela iconoclastia e pelo anti-dogmatismo de Cubas. Schwarz continua dizendo que "A idéia é de superar o estudo a-histórico das formas, do qual uma história das formas que não saia do próprio plano delas na verdade é apenas uma variante" — e eu completaria afirmando que o estudo das relações entre forma e conceito marxista de história, a partir de um determinado ponto (no qual tanto historiador quanto crítico se vêem obrigados a ilustrar teses pré-determinadas) torna-se, também ele, a-histórico, de um formalismo estéril, desligado do mundo. Schwarz acredita que limitar o homem machadiano ao homem da elite brasileira é estar de acordo com os preceitos do próprio Machado. Antes, porém, atente-se para o fato de que Schwarz considera “metafísico” (aqui entendido como discurso vazio e despropositado) qualquer pensamento que se refira ao romancista preocupado com questões humanas “em geral”. O crítico cita “Teoria do Medalhão” como exemplo de que Machado adotava postura semelhante à sua: “Conforme o mestre [o pai que aconselha ao filho a profissão de medalhão], a maneira infalível de não dizer nada é evitar a controvérsia e limitar-se, de um lado, aos ‘negócios miúdos’, e, de outro, ‘à metafísica’” (p. 53). Schwarz, nessa citação, suprime uma parte fundamental do texto de Machado: nele, lemos o personagem dizer, em realidade, “metafísica política”. Nas questões políticas, de acordo com o romancista, dedicar-se à metafísica é, de fato, uma “nulidade”, mas não acredito que seja possível inferir que, no que concerne à arte, Machado tome posicionamento semelhante. Esse é, naturalmente, o teor do pensamento crítico e artístico do próprio Schwarz, marxista em sua essência — teor que ele procura imputar a Machado, autor dado, ao seu modo irônico e desconcertante, à filosofia em geral.

Outro exemplo muito claro desses perigos pode ser visto em Machado de Assis Historiador. Seu autor, Sidney Chalhoub, é historiador e a sua preocupação, naturalmente, se concentra nas possibilidades de retirar referências a fatos históricos do texto de Machado. No capítulo dedicado às Memórias Póstumas, por exemplo, reflete sobre um suposto "significado da febre amarela no Brasil da segunda metade do século XIX" (p. 121). Segundo Chalhoub, a morte de Eulália, com quem Brás Cubas pretendia se casar, não foi bem assimilada pelo narrador porque a febre amarela, "ao contrário da cólera e da varíola, (...), fazia número bem maior de vítimas entre a população branca (...)" (p. 121) tendo, portanto, uma lógica desconcertante: "dizimava brancos, seres tidos por superiores, e não causava maiores estragos entre os africanos e seus descendentes" (p. 122). Não sei até que ponto tal interpretação é sustentável, sobretudo se levarmos em conta que Brás Cubas, ao afirmar "Creio até que esta [a morte de Eulália] me pareceu ainda mais absurdas que todas as outras mortes", termina por compará-la também às outras mortes de outros brancos — aqui, portanto, não é tanto a consciência ultrajada da "raça" ou classe dominante que sucumbe e se revolta diante da febre, mas a individualidade do homem caprichoso que perde a futura noiva.

Ainda que, como afirma Todorov, práticas como essas neguem "o carácter autónomo da obra literária" e a considerem "como manifestação de leis que lhe são exteriores e que dizem respeito à psique, ou à sociedade, ou então ao 'espírito humano'" (pp. 10-11), suas realizações inscrevem-se como possibilidades abertas e indicadas pelo próprio Machado. O problema central é a predominância absoluta dessas vertentes. Na contramão, cite-se, a título de rápido exemplo, José Guilherme Merquior (para quem Machado foi um autor filiado ao impressionismo) e Alfredo Bosi, que busca conciliar o Machado "das elites brasileiras" e o Machado do "homem em geral". Parece-me impossível fugir dessa relativização e da conseqüente solução apontada por Bosi. O próprio Machado, no seu clássico ensaio "Instinto de Nacionalidade", faz alusão a essa estratégia de universalização da província.

Mas não posso, por ora, contentar-me com tão pouco. Na busca de maiores esclarecimentos, vou direto à obra.

Sublime és tu!

"Sublime és tu" é uma frase de Brás Cubas dirigida a Quincas Borba motivada por uma "profunda" refutação que o filósofo fez a um alienista que vislumbrara sandice em sua mente. Assim se passa a cena: o alienista, a título de exemplificar o grão de loucura que ocupa todos os homens, cita o "maníaco ateniense" que "supunha que todos os navios entrados no Pireu eram de sua propriedade" e era feliz assim. Em seguida, o alienista aponta o criado de Cubas, que se mostra bastante orgulhoso ao sacudir os tapetes da propriedade e que, tal qual o maníaco ateniense, perdia-se e contentava-se com a ilusão de ser o dono da tapeçaria e também era feliz dessa maneira.

Ao expor a tese do médico ao filósofo, Cubas ouve uma explicação diversa: "O que o teu criado tem é um sentimento nobre e perfeitamente regido pelas leis do Humanitismo: é o orgulho da servilidade", uma "prova cabal de que muitas vezes o homem, ainda a engraxar botas, é sublime".

Aquilo que se deve perceber, nesse caso, é que o alvo central da ironia machadiana é o arranca-rabo existencial do Humanitismo, filosofia cujos preceitos, nesse caso, servem, sim, à perpetuação de diferenças classistas — interesse óbvio da elite brasileira. Porém, ao ridicularizar a postura conservadora e passiva do filósofo, Machado alcança ainda as idéias que se pautam na diferenciação dos homens a partir das distinções de classe, filiando-se à universalidade da loucura exposta pelo alienista.

Há, portanto, um nítido jogo de duplicidade semântico e, também, formal. Semântico pelas possibilidades diversas de apreensão da crítica e da ironia; formal porque o trecho entrelaça um narrador explícito, Brás Cubas, que se conforta na teoria do filósofo, e um autor implícito, que é o próprio Machado, prosador bastante afeito às intervenções nas suas obras, responsável pelo tom de sarcasmo que chega ao leitor. Assim, creio que é exagero creditar à voz típica da elite toda a responsabilidade pelas inovações narrativas de Machado: parece-me, antes, um resultado da volubilidade humana (já considerada anteriormente) e da dupla e antagônica perspectiva que Machado alcança a partir do momento em que passa a se utilizar da primeira pessoa, escondendo-se, ele autor, num discurso velado em contraponto constante e total à postura de Brás Cubas.

Como Alfonso Berardinelli aponta, houve, em tempos recentes, uma tendência geral a desconsiderar ou minimizar o papel do autor na construção da sua própria obra:

"A onisciência do escritor (um tanto rejeitada ou criticada nas últimas décadas: como se o autor não pudesse saber tudo das personagens que ele mesmo cria!) deve-se ao simples fato de que toda a realidade da personagem está nas mãos daquele que a está colocando em cena (...)" (p. 128).

Observo Machado como uma vítima recorrente desse expediente. É sobretudo na análise de Dom Casmurro que se costuma menosprezar os objetivos do autor e os meios de que se utiliza para lográ-los, mas também aqui, nas Memórias, há, por parte de críticos e leitores, uma considerável e indevida diminuição da presença do autor. Pois as Memórias Póstumas de Brás Cubas são, no mínimo, uma co-produção entre Cubas e Machado.

Marcela amou-me...

O fetiche do dinheiro, seja através da avareza, da ambição ou do esbanjamento, é trabalhado até a exaustão por Machado. Seu centro e ponto culminante é o trecho que liga os capítulos XVI e XVII, o célebre "(...) Marcela amou-me..." e "... Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos". Tamanha justeza com o tema parece só ter sido outra vez alcançada em língua inglesa: Scott Fitzgerald, a certa altura de The Great Gatsby, escreve sobre uma personagem cuja voz é "full of money". As duas frases alcançaram se tornar clássicas pelo inusitado das relações que estabelecem.

Em Machado, acredito que se pode vislumbrar, no caso de Marcela, um dos momentos mais nítidos da presença dupla de narrador e autor nas páginas do romance. Para tanto, é necessário que se chegue, mais adiante, ao capítulo XXXVIII, no qual Brás Cubas reencontra uma Marcela com "a alma decrépita". Esse encontro fortuito e algo arbitrário indica a participação direta de Machado que, tal qual um moralista, faz reaparecer a personagem ambiciosa num estado de decadência. Aqui, o que se lê é um Machado tributário de certa tradição de narrativa esquemática (ainda que apareça, no contexto do romance, a partir de um encontro imprevisível e surpreendente) da qual, em outros momentos, ele foge deliberadamente.

Schwarz, em determinado trecho de seu estudo, escreve que "Mas é certo também que, a despeito da superioridade de todos os momentos, o narrador faz sempre figura de inferior: algo nas suas vitórias não convence, e a série delas configura uma completa derrota" (p. 44), afirmativa da qual acredito que seja difícil discordar. Sua explicação para esse fenômeno, no entanto, não convence; diz que "A volubilidade no caso é um valor relacional, que a concebe e processa referido ao padrão burguês da objetividade e da constância" (p. 44). Creio ser possível observar, na leitura das Memórias Póstumas, dois eixos distintos de volubilidade, quais sejam, 1) a volubilidade inerente à condição do homem, representada diretamente na figura do próprio Brás Cubas (que pode contê-la inteiramente ou representá-la em parte) e evidenciada tanto nos atos narrados quanto na variação constante da forma de narrá-los e 2) uma volubilidade de ordem ética e moral que nasce da presença constante do próprio Machado na narrativa. Esta última, em geral, se dá em paralelo com a primeira volubilidade citada — ainda que, vez ou outra (como no reencontro entre Cubas e Marcela), se explicite verdadeiramente em capítulos distintos.

Por isso, afinal, acredito que reputar a volubilidade moral, ética e formal (que é tanto do personagem Brás Cubas quanto da obra literária Memórias Póstumas) ao "padrão burguês da objetividade e da constância" e sua adaptação à sociedade escravocrata brasileira é subestimar essa presença de uma dupla voz na narrativa, expediente que, em Dom Casmurro, Machado voltaria a utilizar com uma maestria até então desconhecida.

Mário de Andrade escreve que "para se cultuar Machado de Assis, há que ser meticuloso". Não seria uma desfaçatez completa roubar uma observação tão verdadeira, adaptando a referida meticulosidade justamente ao que aqui se indicou como aspecto mais complexo e problemático das Memórias Póstumas. Assim que, se há muito a ser discernido ao longo da obra, sua leitura é, antes de tudo, um trabalho crítico que será proveitoso desde que não se distancie do seu objeto — no qual todas essas instâncias aparecem de forma simultânea. Pode-se dizer que decompô-la para fins eruditos é algo que cabe ao estudioso — no entanto, a leitura feita sem a atitude crítica do discernimento é caminho para equívocos ou para a aceitação passiva de pressupostos e conclusões alheias. Machado é um enigma a ser resolvido por qualquer um que procure entender o desenvolvimento da literatura brasileira — e acredito que essa resolução será mais válida na medida em que for buscada de forma particular. Portanto, não é exagero ou gratuidade utilizar-me de um expediente caro a Brás Cubas, rebaixando o gênero e o escrito com adaptações de frases feitas, afinal, é cada um com seus Machados — e resolva-os quem puder.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Linha 31


Texto antigo sobre Eugene O'Neill. Costumo chamá-lo "De sonhos e morfina"


Costuma-se afirmar que um autor atinge a sua maturidade quando desiste de utilizar-se como tema central de suas obras, quando se abandona enquanto personagem. Ao iniciante, mais do que uma tentação, uma fácil tentação, essa criatividade auto-centrada parece ser uma necessidade — e é Scott Fitzgerald quem o diz, considerando ser esse ("transferir emoções a outra pessoa através do expediente desesperado e radical de arrancar do coração a trágica história de seu primeiro amor, e expô-la nas páginas para que os outros vejam") o verdadeiro preço da admissão. É bastante provável que a carreira de inúmeros grandes autores justifique esta afirmativa: não parece nítida a intenção de James Joyce ao deslocar Stephen Dedalus, seu alter-ego, do centro que ocupava em Retrato de um artista quando jovem, para a posição ainda importante, é verdade, mas notadamente ofuscada pelo peso de Leopold Bloom — peso que, certamente, seria imperceptível ao ficcionista iniciante, que o consideraria um personagem desinteressante e enfadonho se comparado à carga poética e ao peso psicológico de um artista atormentado como Dedalus? O autor irlandês está, de certa forma, renunciando a si mesmo - talvez por notar que seria uma tolice pensar que não estaria imprimindo sua subjetividade mesmo num personagem que julgava ser sua antítese absoluta. Opto por Joyce por ser este um caso nítido e deliberado, mas a literatura está repleta de casos semelhantes.

Mas, se é esta uma das verdades incontestes da literatura, pode-se relativizá-la (e não só a ela) com outra constatação inegável: encontram-se, na história da literatura, casos de todos os tipos. Pois não foi pondo-se como centro de sua ficção que Marcel Proust ergueu talvez o maior monumento literário da modernidade? Não está Hans Castorp, no sanatório, tão cheio dos bacilos que lhe imprimem a tuberculose quanto do próprio Thomas Mann que lhe imprime interesse ficcional? E que dizer, então, de Eugene O'Neill, homem e autor maduro, já vencedor de três Pulitzer e do prêmio Nobel e, reconhecidamente, um dos maiores dramaturgos do século XX, debruçando-se corajosamente sobre sua juventude ao lado de uma família despedaçada? Longa jornada noite adentro é documento inquestionável (e raro) da viabilidade da união entre maturidade estética e confissão despudorada.

Finalizada em 1941, a obra permaneceu inédita por 15 anos — um tempo relativamente curto, se considerada a vontade do autor, morto em 1953, de que a peça só fosse publicada passados 25 anos do seu falecimento; tudo porque, segundo ele, um dos personagens ainda vivia. Sua esposa, porém, permitiu que fosse publicada e levada aos palcos antes do tempo desejado por O'Neill. Ao se deparar com o texto de Longa jornada noite adentro, o leitor sensível rapidamente percebe o pudor e a cautela demonstrada pelo autor: a autobiografia dramática (como é comumente referida) está carregada de um ressentimento que, por certo, causaria constrangimentos ao homem envolvido naqueles personagens e ao escritor perdido naquela atmosfera. O'Neill revela, de forma cruel, o ambiente que o criou — e, portanto, revela também de onde partiu para, em seguida, erigir uma das obras mais assombrosas do século passado. Longa jornada noite adentro, assim, torna-se texto fundamental para a compreensão da dramaturgia moderna.

Tal qual a maioria da produção dramática do século passado, a peça não possui variações de cenário e se encerra num único dia, num único local. Talvez seja esse, aliás, o maior risco assumido pelos grandes dramaturgos da modernidade: ao evitar variações cenográficas, ao reprimir a ação e prender-se basicamente à situação psicológica dos personagens, a possibilidade de entediar o leitor ou o espectador cresce de forma considerável. Um dos autores mais bem-sucedidos nesta luta foi, sem dúvida alguma, Samuel Beckett. Utilizando-se de personagens patéticos (derrotados, desesperançosos, mas cômicos e empáticos), diálogos velozes e cenários e figurinos incomuns, o escritor irlandês rompe de imediato a ligação do público com o drama e, assim, deixa-o desconfortável o bastante para que não se entedie, exigindo-lhe atenção redobrada pelo fato de encontrar-se sob uma atmosfera pouco conhecida e potencialmente perigosa. De certa forma, é este o procedimento utilizado também por O'Neill em peças como Fog (apenas um curto ato de inegável qualidade dramática), na qual uma espessa névoa envolve um bote salva-vidas e não permite ao espectador a visualização total dos personagens que, no texto, são inicialmente identificados como First Voice e Second Voice e, em seguida, durante um diálogo no qual revelam suas tendências psicológicas e ao longo do qual a claridade da manhã já consegue penetrar a névoa e revelar características físicas dos sobreviventes do naufrágio do vapor Starland, passam a se chamar The Poet e The Business Man. A tensão criada pela situação inusitada de uma cena em alto mar, sob um nevoeiro, na qual dois desconhecidos (de si mesmos e do público) têm ainda a companhia de outros dois personagens silenciosos que, por fim, revelam-se mortos (tal qual afirma Luiz Arthur Nunes sobre a heroína defunta de Nelson Rodrigues em Valsa Nº 6, pode-se dizer que ambos estão biologicamente mortos, mas dramaticamente vivos) é um subterfúgio maduro e inteligente para suprir a falta de ação e mudanças cenográficas.

O que se vê em Longa jornada noite adentro, contudo, é a tentativa deliberada de não oferecer facilidades ao espectador. O'Neill dispensa as situações incomuns ou os personagens fisicamente misteriosos para montar um drama familiar repleto de situações banais (almoço, jantar, trabalho no jardim, telefonemas) e de falas longas que, nas mãos de um autor inexperiente, talvez se tornasse tedioso. Para enfrentar a sua própria biografia, para legar aos palcos e à dramaturgia norte-americana um texto que, de certa forma, assume a característica de uma sessão de análise, de um sincero e corajoso acerto de contas entre sua família (àquela altura biologicamente morta, mas dramaticamente viva), O'Neill já precisava possuir toda a técnica literária da maturidade. Inverte-se, dessa forma, a idéia tradicional de que a ficção autobiográfica pertence ao jovem: para fazê-la bem, necessita-se a experiência do autor formado.

A delicada situação da família é visível desde o início da peça — quando, após fazer patéticos elogios à esposa Mary, Tyrone, o patriarca, acusa os filhos de permanecerem na sala de jantar, mesmo após o café já tomado, para que, juntos, possam urdir um "plano para extorquir dinheiro do 'velho'". Ao longo dos quatro atos, a avareza de Tyrone revela-se de maneira cada vez mais hedionda: por conta dela, desperdiçou sua promissora carreira como ator shakesperiano, decide mandar Edmund (jovem alter-ego de O'Neill que, durante o drama, tem a confirmação de que está acometido pela tuberculose) para um ordinário sanatório estatal e, ao optar por um médico barato (mas incompetente) para o parto do filho caçula, fez com que Mary entrasse em contato com a morfina. A avareza do pai e o vício da mãe são, por sinal, fatores essenciais para uma melhor apreensão da obra: enquanto o primeiro, segundo os críticos, não corresponde à realidade, sendo mero artifício ficcional, o segundo é real e, a princípio (ao menos para os que enfrentam a obra sem o conhecimento prévio da biografia), enigmática. Sabe-se que Mary retornara há pouco, mas não por onde esteve; sabe-se que temem uma recaída, mas não sobre o que. A dúvida permanece até que, numa frase, são revelados o vício e a personalidade de Jamie (o primogênito), que a profere: "Mais outra espetadela no braço!". Figura maldita, carrega em si todos os erros da família: é dependente químico tal qual a mãe (alcoólatra tal qual o pai), demonstra falta de tato com relação ao dinheiro (ao contrário de Tyrone, não consegue acumulá-lo) e nutre uma relação ambígua com Edmund — na qual o ama e protege e o guia à decadência (a certa altura, afirma ser Edmund o seu Frankenstein).

Sob tais condições, não surpreende a impressão de Tyrone — que diz perceber "uma atmosfera tão carregada e tão lúgubre que poderia ser cortada à faca" já no segundo ato. O dia segue com a recaída absoluta de Mary, a confirmação da tuberculose no caçula e o acirramento da tensão entre Jamie e Tyrone, que se acusam e se ofendem todo o tempo. Grande parte da ação está apenas no passado rememorado pelos personagens - e do qual se dizem vítimas. Ao contrário do que se vê em obras que vão desde King Lear até Casa de bonecas, o espectador não persegue a decadência, não a sente como conseqüência dos erros de um velho rei ou do desgaste da convivência tola de um casal unido por Ibsen; ele já encontra (prontos, escuros e abafados) o fracasso absoluto e a sua atmosfera. De certa forma, o drama de O'Neill inicia-se onde deveria encerrar-se. Assim cria-se a tensão, evita-se o tédio: como vivem personagens que já se acostumaram à derrota, que já afirmam "Somos da substância de que é feito o esterco" e, cientes disso, continuam vivendo e, mais importante, convivendo?

Como se acertassem contas, os quatro personagens falam muito e falam longamente. Os imensos e reveladores diálogos realizados no ato final do drama, quando O'Neill dispõe a família sob luzes apagadas e em torno de uma simbólica garrafa de uísque (nelas estão o vício e a avareza do pai que, inicialmente, ressente-se pela energia elétrica consumida sem necessidade e por estar desperdiçando a cara bebida), revelam também outra faceta da distância entre Longa jornada noite adentro e as peças modernas - representadas sobretudo por Samuel Beckett e seus Fim de partida e Esperando Godot, nas quais os diálogos são ligeiros e, de certa forma, interdependentes; em alguns deles, aliás, a mesma idéia ultrapassa a capacidade expressiva de um personagem e só encontra conclusão na fala de outro personagem — por isso só dispõem de frases curtas e, a princípio, pouco significativas. Quando, em Esperando Godot, um dos personagens arrisca uma colocação mais longa, que no papel supera uma página inteira, seu discurso está repleto de informações inúteis e idéias desencontradas — um puro emaranhado de palavras sem sentido ou serventia. Jamie, Edmund, Tyrone e Mary, ao contrário, discorrem longamente sobre o passado, sobre seus erros e remorsos. Esta característica, contudo, não pode ser encarada como uma discreta esperança que seu autor ainda depositava na comunicação (àquela altura, aliás, a morte já a encerrara): se falam muito, parece também que falam sozinhos, que não são ouvidos e, por isso, a maior parte de suas considerações não são respondidas e, ao que parece, sequer ouvidas e analisadas pelos outros. Sobre isto, logo após chamar e não ser escutado pela mãe, que está totalmente envolvida pela droga, Jamie evoca versos de Swinburne: "Vamo-nos daqui, canções minhas, ela não as ouvirá. (...)/ Sim. Ainda mesmo que feito anjos lhe cantássemos ao ouvido,/ Ela não nos ouviria."

As formas que cada um encontra para continuar nesta convivência atroz são variadas: enquanto Jamie afunda-se no cinismo e na grosseria, na absoluta falta de esperanças e numa comodidade amparada, sobretudo, nos vícios de um homem com mais de 30 anos ainda sustentado e maltratado pelo pai, Tyrone renega a morbidez, clamando por uma vida irreal de devoção ao trabalho (ao dinheiro) e a Deus (ao dinheiro), embora seja um católico relapso e muito pouco exemplar. Sua personalidade dúbia e hipócrita é claramente retratada quando, após ouvir os versos de Swinburne recitados pelo primogênito, ele diz "Passe-me essa garrafa, Jamie! E deixe de recitar essa poesia mórbida. Não a admito mais em minha casa." Edmund, o único que, em tese, está realmente condenado (tuberculoso, sem o interesse do pai em mandá-lo a um bom sanatório) passa o quarto ato tentando mediar o tenso encontro da família. Pede controle ao pai, calma ao irmão, compreensão para com a mãe. Resta a Mary, contudo, encerrar o drama com um emblemático regresso ao seu passado de jovem que, "durante algum tempo", foi "tão feliz". Certas vezes, cogita a morte, mas não possui coragem para, deliberadamente, exagerar a dose – e, sobre a morte, não é demais lembrar que The Poet, ainda identificado por Second Voice, em Fog, afirma “But death was kind to the child”. Retratando-a presa aos delírios provocados pela morfina, O'Neill transforma-a numa personagem realmente composta "da substância de que são feitos os sonhos" - de fato, ao fim da peça, informa-nos que Mary "Olha fixamente diante de si, mergulhada no seu sonho triste". Numa ironia amarga, num desencanto que permeia toda a obra, O'Neill não contradiz Shakespeare (o único autor que agrada ao pai e aos filhos), mas compreende que a tal substância de que são feitos os sonhos, muitas vezes, é apenas a morfina.

Linha 30

Gosto do conforto que o cinismo e a descrença oferecem. Mas não escrevo com intenção de buscar definições filosóficas ou existenciais para tais posturas: vou ser menor. Por menor, entenda-se que esse post busca apenas esclarecer (a mim e aos dois ou três que, por motivos que ignoro, se interessem pelo tema) a minha relação com o curso de Letras, sobretudo nos aspectos que, diante da reforma do ensino superior no Brasil, extrapolam a grade curricular e as preferências particulares e políticas dos que fazem a universidade. Extrapolam, a meu ver, com a intenção clara de tornar obsoleto o pensamento crítico e científico no que diz respeito aos estudos literários e aos estudos lingüísticos, respectivamente.

Antes que esqueça, segue uma explicação: falo de cinismo e descrença porque, por muito tempo, minha postura diante dos meus estudos universitários se baseou em cinismo e descrença. A rigor, fiz o caminho inverso da vida universitária típica — que se inicia sempre com ímpetos juvenis de renovação para acabar-se num lavar de mãos quase bíblico. Perto de encerrar o meu curso, percebi-me diante de certa responsabilidade — e não acho que a fuga seja uma atitude digna. Mas quero ir além de devaneios particulares, quero basear o meu texto no que, neste exato momento, ocorre no curso de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana — que, por sua vez, está apenas seguindo diretrizes dadas pelo MEC a todos os cursos de licenciatura em Letras do país.

A rigor, o MEC é visto e considerado sem desconfiança. Chega a ser espantoso: assumiu-se, de uma hora para a outra, que o Ministério da Educação tem uma história que lhe possibilita usufruir de um crédito quase ilimitado. Ainda não ouvi ninguém, na minha universidade, demonstrar algum discernimento diante dos documentos que devem guiar as graduações na área de Letras (e que não se esqueça, ainda, da atuação da CAPES no nível da pós-graduação). Óbvio que há uma sutileza no projeto do MEC, mas detectar especificidades de um discurso, sobretudo oficial, vindo de fonte com um histórico questionável, deveria ser especialidade nossa. Deixou de ser. Não se percebe mais nada.

O Ministério da Educação desejar tornar mais nítida a linha divisória entre a licenciatura e o bacharelado. Assim em Geografia, assim em Biologia, assim em Letras. Mas há uma armadilha clara nessa idéia: o curso de Letras tem um caráter específico — não encontramos letrólogos como encontramos geógrafos ou biólogos. O estudante formado em Letras, para atuar na área, vai ser quase que inevitavelmente professor. A idéia do MEC, então, continua: o curso de Licenciatura terá que, pouco a pouco, adequar as suas pesquisas, eliminando qualquer traço de "pureza", tornando-as pesquisas aplicadas ao ensino. Acredita-se, sabe-se lá como, que a pesquisa pura em Letras, seja lingüística ou literária, continuará sendo feita no âmbito do bacharelado, mas é óbvio que se trata de uma falácia: a tendência é que os cursos de bacharelado sejam ainda mais esvaziados. Pois não sei de muitas universidades brasileiras que poderão se dar ao luxo de financiar profissionais dedicados especificamente à pesquisa nos departamentos de Letras, esses marginais.

Daí que a conclusão é óbvia: o pensamento crítico na área de literatura e o caráter científico na área de lingüística estarão estagnados — ou, pelo menos, restritos a algumas poucas instituições nobres. A longo prazo, esse cenário indica, por exemplo, o fim da revisão crítica da obra de João Cabral de Melo Neto, Drummond ou Machado de Assis: em 100 anos, os professores brasileiros estarão ensinando, sobre esses autores, o mesmo que, hoje, nós ensinamos - o método será outro, o conteúdo será idêntico. Nenhuma visão nova surgirá. Óbvio que, no período de 100 anos, pode surgir um crítico que faça tal revisão — mas ele estará solitário e sua produção não encontrará eco no ensino superior e, portanto, não chegará aos níveis mais básicos da escola. Continuando nos exemplos, a pesquisa pura em lingüística, como o registro e a análise de particularidades da fala (que, para ser realizado, pressupõe a ida a campo), também vai parar no tempo — e ainda que isso soe mais estapafúrdio do que o exemplo literário, são idênticos, representam a mesma falência.

No meu convívio diário com os estudantes, percebo que a maioria corrobora a atitude do MEC. Partem do princípio absurdo de que o problema da educação no Brasil é um problema meramente didático e não estrutural, político ou mesmo conceitual. Crêem (e não duvidam sequer um instante) que a pesquisa pura não se reflete de forma alguma na sala de aula e que, por isso, é obsoleta, descartável. Tudo isso, naturalmente, é reflexo da nossa preguiça de pensar a educação em toda a sua significação e de acreditar que profissionalizar o professor é prepará-lo quase que fisicamente para ensinar nada.