domingo, 29 de novembro de 2009

Linha 38



O poema 1 de Hanshan.


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1.

Sempre na serra (não sei de homens, nuvens claras me cobrem) sempre só.

sábado, 14 de novembro de 2009

Linha 37


Não sou conhecedor ou admirador profundo da poesia de Borges. E talvez eu devesse me envergonhar por isso. Mas, enquanto vou adiando esse contato maior com seus versos, leio suas seis lições norte-americanas lançadas sob o título de Esse ofício do verso. Lembro que, quando frequentei um efêmero grupo de discussão sobre o pensamento de Freud, ríamos do artifício retórico mais recorrente na obra do vienense: declarar, sempre, que tal ou tal texto não passava de uma especulação em estado inicial. Seria possível dizer que Freud jamais concluiu alguma coisa: tudo o que fez foi ensaiar. Talvez seja inútil se perguntar se tal postura nasce de uma humildade real. Ela é constituinte do texto de Freud — está lá para ser considerada enquanto tal. Mas já não ouso entrar em conversas psicanalíticas. Retorno para o literato. Poucos autores se diminuem tanto quanto Borges. Ao longo das suas seis palestras, o argentino parte sempre do pressuposto de que fala para uma platéia que o supera em conhecimento: "Tenho muito gosto pelas etimologias, e gostaria de relembrá-los (pois tenho certeza de que conhecem muito mais essas coisas do que eu) de algumas bastante curiosas". Esteja falando a respeito de latim ou de inglês medieval, Borges sempre sabe menos. Além disso, desdenha livremente de seus próprios poemas e contos (sobre "El imortal", escreve que, ao relê-lo, achou-o "uma chatice e tanto"). Acredito que tal postura seja condizente com seu credo poético e literário segundo o qual, na construção e realização de uma obra, só o leitor pode se satisfazer de forma plena. Lembro-me que, ao tomar contato com a produção ensaística de Borges, o que mais me desconcertava era a sua tendência para menosprezar teorias estéticas ou literárias. Aquilo, para mim, soava como um incompreensível eco de romantismo e misticismo que, a julgar pela imagem que eu construíra de Borges antes de ler Borges, não era condizente com o autor rigoroso e ascético que eu imaginava que ele fosse. Àquela época, como se pode perceber, eu ignorava as suas magias. Se há uma estética borgiana, só se pode chamá-la de estética do imanifesto. É curiosa na medida em que parte de um princípio platônico (do belo atemporal, do belo ideal) para assentar num método oriental, essencialmente taoísta, na apreensão e consideração desse belo. Borges não acredita na possibilidade de divisar e definir o belo. Ele apenas o aceita enquanto princípio universal passível de reconhecimento pela sensibilidade. Não está sendo original ao pensar dessa forma (e, naturalmente, declara sua não-originalidade com regozijo). Laozi, alguns milênios antes, escrevera: "conhecer o que faz o belo belo 11111 eis o feio!" Entendendo isso, entende-se o desdém que demonstra a respeito de si mesmo: sua história da literatura é como a história da filosofia indiana, à qual sempre alude: tudo é contemporâneo, o que "Simboliza a idéia de que se acredita na filosofia ou que se acredita na poesia — que as coisas outrora belas podem continuar sendo belas". Borges declara que fez uma leitura de Benedetto Croce e que isso de nada lhe serviu. Difícil é dizer, no entanto, até que ponto essa sua postura e esse seu credo revelam um leitor puramente comprometido com uma visão hedonista da leitura ou um autor com plena consciência dos artifícios retóricos que domina — e entre os quais se destaca essa anulação gradual de um autor retórico e possuidor dos segredos da criação.