terça-feira, 30 de novembro de 2010

Linha 53


Abaixo, uma tradução que fiz para uma canção provençal anônima. O trovador não sofre dos mesmos vícios e fraquezas do tradutor e, por isso, não encerra rapidamente a sua composição por causa de preguiça ou imperícia — ele vai até onde é necessário. Tratando-se de uma alba tão singela, de rimas tão fáceis, é surpreendente notar, por um lado, a adequação da extensão da obra à situação trazida no poema (na qual o nascer do sol interrompe o desenlace da situação e do próprio tema amoroso) e, por outro, a quebra da unidade rítmica e métrica que há no exato verso do meio, no qual as sílabas caem de sete para três, provocando também em que lê o susto que o aviso vindo da torre provocou em quem amava ilicitamente.
666
666
Ouço um rouxinol cantar
do pôr-do-sol ao raiar
ouvimos, eu e meu par
........ sob as flores,
até que o guarda na torre
grita: "Partam, partam rápido!
Vejo a alba, o sol cálido"
lll
***
lll
Uma pequena jóia, sem dúvidas. Perdida na tradução, sem dúvidas. Então fiquem com o original.
lll
555
Quan lo rossinhols escria
ab sa par la nueg e'l dia,
yeu suy ab ma bell'amia
....... jos la flor,
tro la gaita de la tor
escria: "Drutz, al levar!
qu'ieu vey l'alba e'l jorn clar"

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Linha 52



Nas "Notas do autor" preparadas por Eduardo Sterzi para o seu livro Prosa, o poeta explica como estudou, leu e imitou "com devoção" a obra de Augusto de Campos e como, a partir destes estudos, destas leituras e destas imitações produziu a quinta seção da coletânea. A influência, portanto, é bem mais do que óbvia — daí não interessar tanto.
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Mais curioso, na verdade, é a presença de dois poemas chineses e haroldianos na primeira seção de Prosa: "Amabilis insania" e "Pianissimo". Nestes casos, a influência ou, pelo menos, a conexão, não exatamente óbvia ou assumida, é com as traduções/recriações chinesas feitas por Haroldo de Campos e comentadas há alguns posts.
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ouvir no vento ......... (além do vento)
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.................................... o acaso absoluto
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puro, puro
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.................................... puro
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.................................... puro
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tão puro quanto
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critais sonantes
pendurados
à janela
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................................... (pretensão de nunca ser matéria)
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Este "Pianissimo" possui um lastro oriental perceptível nos temas, nas imagens e no vocabulário. Aí está a natureza evocada em seus ventos e minerais que, quando em contato, provocam o som e a sensação no poeta e talvez no leitor (alguém lembrará da rã mergulhando no haicai de Bashô).
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No que diz respeito à construção formal do poema, salta aos olhos aquilo mesmo de que Haroldo usava e abusava em suas reimaginações dos versos ideogramáticos: a utilização não-gratuita do branco e do espaço, a repetição de uma palavra significativa tanto no aspecto semântico quanto sonoro (puro) e o uso sutil de assonâncias (sendo janela/matéria a mais bem posta).
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Naturalmente, não tenho a menor idéia se este poema nasceu após uma leitura das traduções de Haroldo — mas isto importa pouco ou nada: o que importa e inegavelmente existe é a relação entre as duas produções e a forma como uma sensibilidade "estrangeira" revigora a língua de chegada, que também é sempre uma língua de criação.