domingo, 19 de dezembro de 2010

Linha 56



"avuis només presto atenció
a formes triangulars"


Sumari astral é o livro hermético e ocultista de Joan Brossa. Simulando ser uma espécie de Trismegisto catalão, o poeta assume o número três e a forma do triângulo como símbolos do percurso das coisas e da linguagem. Não há originalidade alguma nisso — mesmo porque a originalidade não é um conceito aceitável para quem crê no ritmo de eterna correspondência e recriação. Dito isto, há que se assumir: até hoje, homem nenhum escreveu uma teoria poética de maior influência do que Hermes. Brossa cita A Tábua de Esmeralda quase que textualmente em alguns versos: "El mar de baix és igual que el de dalt". Fronteiras, bandeiras, linguagem, correspondência: tudo se encaixa entre as três sessões do poema — mesmo a questão do gênero aparece brevemente no verso "Amb els vestits no vull imitar res", espécie de assunção do caráter feminino como natural ao masculino e não como desejo de identificação com algo externo e estranho a ele. A segunda parte do livro, os "outros poemas", reintroduz Brossa como ele é mais conhecido: poucos versos, imagens raras, preocupações essencialmente políticas. A relação com o Sumari, no entanto, pode ser percebida — afinal, o que Brossa deseja, mais que injetar sentido poético em elementos banais, é desvendar o sentido poético oculto nos elementos banais. Isto, naturalmente, também é criação — que ele alcança por meio do emparelhamento de observações corriqueiras e de reflexões ou imagens inesperadas. Seu método, portanto, parece se pautar na vontade de que estas duas esferas "aparentes" da linguagem se revelem, aos olhos do leitor, como uma única. Não digo que não seja uma crença perigosa, um método arriscado, mas Brossa parecia ser um homem e um poeta disposto a correr alguns riscos, como se percebe pela foto abaixo.