segunda-feira, 30 de março de 2009

Linha 10


A poesia espanhola moderna é algo de inevitável. Para o leitor, o crítico e o poeta. Conhecer e estudar as suas particularidades (que dificilmente possuem paralelo no modernismo de outras nacionalidades) é uma atividade enriquecedora e, afinal, deslumbrante. Desde Antonio Machado até Jorge Guillén e os outros poetas de 27, o verso espanhol possui alguns enigmas que já há algum tempo me provocam.

Tenho lido avidamente tudo o que posso: Lorca em voz alta, Salinas antes de dormir, Jiménez quando acordo. Conceitualmente, nada se definiu ou esclareceu, muito embora os poemas, em separado, me transmitam tanto. Li pouco a respeito e o pouco que li não me parece forte o suficiente para agrupá-los — sei das amizades, das atividades em grupo, mas pouco sei da poesia de Lorca se ligando à poesia de Guillén.

Buscando saídas, fui ler Benedetto Croce. Desnecessário apontar o meu equívoco: procurasse Ortega y Gasset e não um sisudo filósofo italiano. Mas Croce me permite, no mínimo, duvidar dos tais agrupamentos sob as "características gerais" da época. Isso eu aprendo, muito embora a sua Estética, em certos pontos centrais, ainda me pareça incompreensível ou — se for permitida a ousadia — insustentável.

Num certo trecho, Croce confirma a utilidade dos estudos de poesia baseados nas famigeradas características ou no espírito da época — mas apenas na medida em que nos servem para discernir "a arte dos verdadeiros artistas da dos semi-artistas, dos não-artistas e dos que da arte fazem seu negócio" e, sobretudo, para através dele perceber as "dificuldades que [os grandes artistas] precisaram superar e as vitórias que obtiveram sobre a dura matéria que tomaram como objeto de seu trabalho e elevaram à condição de conteúdo artístico".

A julgar por tais idéias, que me parecem muito ajeitadas, a Espanha, entre os anos 1900 e 1930 viu surgir uma quantidade assustadora de grandes poetas — e, se pensarmos que por lá ainda apareceram artistas como Pablo Picaso e Joan Miró, como parecerá pouco falar de um novo siglo de oro. Lorca, Cernuda, Salinas, Alberti, Guillén e mais uns outros, ainda que em níveis distintos, obtiveram a vitória sobre a dura matéria referida por Croce: suas ligações, até que eu consiga me convencer do contrário, dizem mais respeito à formação de um grupo de amigos do que a de um grupo de artistas com ideais estéticos e poéticos semelhantes.

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Abaixo, um dos meus poemas preferidos de Jiménez, do enigmático e incompreendido Piedra y Cielo. Esses versos representam muito do caráter dúbio de sua obra inteira — que se configura como um elevado desafio intelectual e, ao mesmo tempo, um admirável monumento da intuição. Nesse sentido, vejo mais relações dele com Lorca do que com seus seguidores mais féis — a saber, Guillén e Salinas. Mas, a respeito destes poetas, tudo ainda me soa como mera impressão.

Me buscas, te me opones
como la imajen
del chorro, al chorro, en el espejo de agua

¿Cómo hallaré el camino eterno
que da el espejo al alma de mis ojos
si vienes tú del fin de ese camino,
con igual fuerza que este afán sin cuna,
que, como tú de ti, no sé de dónde, de mí salta?

¡Todo, en torno, es de luz.
Mas yo no puedo ir a ese sinfín que anhela el alma,
por este punto — ¡el suyo! — a que me sales
tú al encuentro!

¡Ay, fuerza de mi imajen — ¡vida! —
más poderosa que yo, ay!

(Yo y Yo, Juan Ramón Jiménez)