sábado, 14 de março de 2009

Linha 9


Percebo algumas tendências nos leitores esporádicos de poesia. Quando digo "esporádicos", refiro-me aos leitores que atravessam os cursos de Letras e demonstram um interesse relativo por poemas. Não tenho pretensão de delinear o pensamento de faixas etárias, gerações ou coisa parecida — apenas anoto aquilo que percebo e que, ademais, me preocupa.

A principal característica desses leitores, a meu ver, é a tentação incontrolável de buscar significados que, por falta de termo melhor (e utilizando-me de uma palavra cara a todos eles), chamarei de "metafísicos". A partir dessa concepção, chega-se ao ponto de desconsiderar a possibilidade de que um poema se refira ao homem em sua condição mais banal. Compreendo perfeitamente que alguém não se contente com a pedra de Drummond e crie significações diversas para o objeto — no entanto, esse procedimento acaba se tornando central na interpretação poética.

Para citar um exemplo real, observe-se o seguinte trecho do poema "Shampoo", de Elizabeth Bishop:

The shooting stars in your black hair
in bright formation
are flocking where,
so straight, so soon?
-- Come, let me wash it in this big tin basin,
battered and shiny like the moon.

Em sala de aula, presenciei algumas interpretações descabidas e exageradas — mas nenhuma delas superou aquele que negava a referência do sujeito poético a uma pessoa. Segundo o leitor, o cabelo não lhe trazia à mente uma figura humana, mas algo maior. Afora a possibilidade da existência de uma entidade mística cabeluda, não compreendo como se pode escapar da situação descrita no poema, que é a de um banho. A rigor, o leitor não aceita que o poeta gaste tinta e papel para a descrição de uma cena corriqueira — ainda que tão carregada de afetividade e de imagens.

Sylvia Plath, também vista em sala de aula, me pareceu particularmente problemática para esses leitores. Sua poesia, repleta de referências físicas, de cortes, cicatrizes e contrações de parto, provoca uma confusão elementar. Não acreditar que o poeta possa se referir a tais experiências, tidas como ordinárias, pressupõe uma espécie de desprezo profundo pelo humano: como se a dor física de um aborto não fosse digna de se tornar matéria poética — à qual estaria reservada a reflexão existencial da perda do filho.

E não apenas a poesia moderna sofre com tais enganos. Mesmo um soneto de Camões, tão fechado em seu sentido, tão linear e nítido em seus caminhos, transforma-se num amontoado de referências metafísicas descabidas: não pode ser apenas a camponesa caminhando na relva, a "verdura" não é apenas o campo, a "graça" não é só a beleza.

Se fosse possível, num espaço tão curto e desleixado como esse, ensaiar qualquer tipo de investigação sobre as motivações de tais leitores, eu poderia afirmar que não se trata de um fenômeno que se possa aceitar como intuitivo ou inevitável ao leitor imaturo. Pelo contrário: denota muito mais a pretensão de compreensão erudita e original do poema.

Trata-se, ao que parece, de um fenômeno que se desenrola de cima para baixo, das classes intelectuais e eruditas para o leitor médio ("cima" e "baixo", aqui, sem tolas conotações elitistas), uma consequência nefasta da especialização e da interpretação acadêmica — que, até certo ponto, são de fato necessárias.

Um leitor imaturo, como a experiência de qualquer observador atento pode comprovar, tende à paráfrase do poema — sua apreensão e sua explicação para o amor ser um contentamento descontente ou será muito clara, uma espécie de repetição do verso, ou não será absolutamente nada, diante da obviedade do que ele lê. No outro extremo, situa-se o devaneio incontrolável e infrutífero do leitor mais familiarizado com poesia e crítica, mas inseguro de sua capacidade intuitiva de interpretação do poema — seu contato escasso e parcial com a crítica o faz crer que poesia é uma questão de disputa interpretativa.

Ele tende a não aceitar que Álvaro de Campos se desestruture ao ver uma pequena comer chocolates ou que a cidade de Gullar esteja repleta de galinhas e porcos — ele não acredita que o poeta esteja ligado à vida. Sua visão do artista é mística — segundo esse princípio, uma poeta não se prende às miudezas de um aborto, considerado uma experiência menor.