sábado, 14 de março de 2009

Linha 8


Trecho do "O homem e a província no poema", ensaio acerca da poética de William Carlos Williams.

Grande parte dos estudos e das teorias que buscaram definir (ou, ao menos, discernir) as fronteiras e os limites da poesia moderna parecem incorrer, em maior ou menor grau, nos equívocos da parcialidade, seja ela histórica ou interpretativa. Dessa forma, são ignorados poetas fundamentais que, na primeira metade do século XX, produziram obras de relevância inquestionável, mas que não se enquadram nos parâmetros previamente estipulados para uma obra modernista; e dessa mesma forma, ademais, alguns poetas têm seus textos deturpados por interpretações comprometidas — subterfúgio cuja utilização é facilitada pela típica obscuridade da arte moderna, algumas vezes confundida com a possibilidade infinita e anárquica de apreensão e interpretação. William Carlos Williams (1883-1963) teve a sua poesia diminuída e desconfigurada por esses dois fatores. Os preconceitos e os mal-entendidos dos quais foi vítima podem ser resumidos na informação dada por José Paulo Paes no seu "A arte de ficar em casa": citando Thom Gunn, o poeta, crítico e tradutor brasileiro afirma que "na Inglaterra" a poesia de Williams, por um bom tempo, "foi considerada algo assim como uma oleogravura meio kitsch de 'casas de tijolos vermelhos, esposas suburbanas, alegres interiores padronizados'".

Nascido em Rutherford, Nova Jersey, o poeta possui uma biografia relativamente desinteressante quando comparada à de contemporâneos seus (tome-se Ezra Pound e T.S. Eliot como parâmetros — eles e seus posicionamentos políticos questionáveis e polêmicos, por exemplo): não se expatriou e não se tornou figura central nos debates artísticos na Europa. Parece-me justo, portanto, que essa opção pela vida nos Estados Unidos seja levada em conta ao analisar a sua obra: não se trata de mera curiosidade biográfica, sobretudo se a compararmos com o exílio de Pound e Eliot e os seus respectivos contatos e envolvimentos com culturas e linguagens alheias, desenvolvidas a partir de uma espécie de desprezo ou descrença relativos à tradição literária norte-americana, notadamente recente quando comparada à européia ou, no caso específico de Pound, chinesa. Não por acaso, Williams escreveu que "Há uma fonte, na América, para tudo quanto pensamos ou fazemos." Tal opção, ao longo de sua obra, desenvolve-se em todas as esferas e níveis possíveis do poema: vocabulário, tema, sintaxe e ritmo remetem a essa aludida fonte norte-americana, criando uma poesia com data e local específicos — o que não significa uma poesia passível de se tornar datada ou insignificante quando transplantada a outras paragens. No entanto, mais do que recorrer ao lugar-comum que refere a criação do universal através do local, uma verdade tornada por demais óbvia e já consolidada pela crítica, interessa-me considerar a longevidade de Williams por outros meios, quais sejam, a intrincada relação entre localismo e internacionalismo que acredito existir em sua obra, como ponto inicial, e a sua grande influência na poesia norte-americana da segunda metade do século XX enquanto demonstração dessa longevidade.