terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Linha 5


Tive um contato problemático com a obra de Langston Hughes (1902-1967). Conheci-o na aula de Literatura Norte-Americana junto a Ezra Pound, Williams, Moore e Wallace Stevens, poetas dos quais, em maior ou menor grau, eu já gostava bastante. Minha primeira reação, ao ler os versos de "I, too", foi indiferença: sua conotação, que acreditei política, não me interessava. Estava tudo muito óbvio e nítido naquele poema — sua crueza me parecia desleixo.

No entanto, a menção feita pelo professor a uma Harlem Renaissance me fez prosseguir: busquei seus poemas e, a certa altura, encontrei "The Weary Blues", "The negro speaks of rivers", "Night funeral in Harlem", "Minstrel Man" e "Let America be America again" — súbito, Hughes me ensinava algumas coisas sobre ritmo. Porém, mais importante do que ler seus poemas, foi escutá-los na voz do próprio poeta: era o blues, o blues que eu gosto de ouvir nas vozes de Skip James, de Charlie Patton ou de Blind Willie Johnson. A mesma cadência, as mesmas síncopes. Tudo exposto na profunda leitura de "The negro speaks of rivers" (ouça aqui).

Sua oratória, seus temas e seus ritmos remetem de imediato a Walt Whitman:

Let America be America again.
Let it be the dream it used to be.
Let it be the pioneer on the plain
Seeking a home where he himself is free.

(America never was America to me.)

Let America be the dream the dreamers dreamed--
Let it be that great strong land of love
Where never kings connive nor tyrants scheme
That any man be crushed by one above
.

(It never was America to me.)

Como se vê, não há obscuridade, não há fantasia ditatorial ou coisa que o valha. Hughes não parece possuir desprezo algum pela realidade — a arte pura, aos seus olhos, deve parecer uma frivolidade à qual ele jamais poderia se ater. Portanto, utilizar-se dos parâmetros críticos do alto modernismo europeu para analisar a sua obra é uma espécie de crime — e, se esses parâmetros não alcançam sequer todos os poetas europeus da época (cite-se, por ora, Dylan Thomas, Antonio Machado ou mesmo Maiakóvski), que dizer de uma obra composta num Harlem que ressurgia (ou surgia?) no contexto cultural norte-americano? Exigir obscuridade e elipse de um artista que trabalhava onde e quando Langston Hughes trabalhava é exigir o impossível e desprezar a historicidade que guia a poesia.

Daí que Hughes (e tantos outros poetas) desmonta clichês e métodos analíticos engessados — nos provoca a escutá-lo com a devida atenção dispensada às suas particularidades, sejam elas admiráveis (como as que já citei) ou questionáveis (por exemplo: talvez o panfletarismo tenha alcançado os seus versos, diminuindo-os).

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Se não me engano, não há nenhum volume de Langston Hughes traduzido e disponível no Brasil.

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Francisco José Tenreiro, poeta de São Tomé e Príncipe, escreveu um "Fragmento de blues" dedicado a Langston Hughes:

Vem até mim
nesta noite de vendaval na Europa
pela voz solitária de um trompete
toda a melancolia das noites de Geórgia;
oh! mamie oh! mamie
embala o teu menino
oh! mamie oh! mamie
olha o mundo roubando o teu menino.

Vem até mim
ao cair da tristeza no meu coração
a tua voz de negrinha doce
quebrando-se ao som grave dum piano
tocando em Harlem:
– Oh! King Joe
King Joe
Joe Louis bateau Buddy Baer
E Harlem abriu-se num sorriso branco
Nestas noites de vendaval na Europa
Count Basie toca para mim
e ritmos negros da América
encharcam meu coração;
(...)