quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Linha 6


Pergunto-me se a minha leitura de Ungaretti está condicionada à inevitável relação do poeta com a guerra. Pergunto-me, então, se isso se revelaria um problema. Até que ponto é perdoável ou compreensível a ingenuidade de se crer numa relação inocente com o poema? Talvez até o ponto em que a interpretação e a compreensão são arruinadas e o sentido subvertido — não se trata de cercear a autonomia do leitor, mas de dar-lhe parâmetros suficientes para não se enganar. Ampliar os sentidos do texto não é nenhum problema (ao contrário: é uma das funções e prazeres do leitor) — o equívoco se dá a partir do momento em que essa liberdade significa moldar o texto de maneira a encontrar nele aquilo que lhe interessa.

Conhecer o contexto da produção de Paul Celan, portanto, não é condicionar a leitura de "Todesfuge" ou de qualquer outro poema seu, mas esclarecê-la. O mesmo, acredito, se dá com Ungaretti. Para exemplificar esse ponto, tome-se "Stasera", um dos seus curtos poemas escritos em meio à Primeira Guerra Mundial, exatamente a 22 de maio de 1916.

Balaustrata di brezza
per appoggiare stasera
la mia malinconia

A rigor, concebo duas interpretações possíveis. Uma delas, inocente e descontextualizada, é absolutamente amena: o sujeito poético entregue a uma melancolia serena, próximo ao mar — versos diletantes de alguém sem maiores preocupações. A outra, que acredito mais acertada, observa apenas a distância de casa, a melancolia não apoiada na brisa, mas sem lugar para apoiar-se, perdendo-se no vazio do exílio. Nesse caso, portanto, a inversão completa do sentido do poema seria, de fato, uma possibilidade válida?

Ungaretti é particularmente propício a enganos semelhantes.

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Tradução minha e de C.L. para o poema "Peso", de Giuseppe Ungaretti. Original aqui.

O camponês
se fia na medalha
de Santo Antônio
e segue leve

Mas sozinha e desnuda
sem ilusão
levo minha alma