quarta-feira, 8 de abril de 2009

Linha 15


Na sua Poética, Todorov escreve que "Posso falar da beleza que para mim têm as obras de Goethe; posso falar, quando muito, da beleza que elas têm aos olhos de Schiller ou de Thomas Mann. Mas não tem sentido uma questão que incida sobre a beleza em si". Trata-se de uma crítica perfeitamente aceitável e compreensível às visões idealistas da Estética. Ao longo da sua obra, o filósofo búlgaro sempre alertou para o perigo que o seu próprio método de estudo representava — aquilo que ele classifica como "sobreteorização", movimento que induz o teórico à total ignorância das obras literárias e à dedicação exclusiva e exaustiva às teorias literárias. Numa entrevista reproduzida na Folha de São Paulo, afirmou que já faz algum tempo "que, na escola, pararam de refletir sobre o sentido dos textos e passaram a estudar de preferência os conceitos e métodos de análise". Como se percebe, é uma das suas preocupações constantes — o que não significa, no entanto, que ele mesmo não cometa o que considera deslizes.

No seu Curso de Estética dedicado ao estudo do Belo, Hegel pensa e trabalha a possibilidade de um método científico aplicado às artes. A única saída vislumbrada, no seu caso, foi a da Idéia: a Idéia do Belo é o ponto para o qual convergem o cientista e o filósofo que se propõem a refletir sobre a arte — permitam-me tal simplificação, sobretudo nesse ambiente propício de um blog e de um post dedicado à anotação de dúvidas. Nesse sentido, ele mesmo provoca o movimento que induz o filósofo, se não à ignorância, à superação das obras artísticas e à dedicação exclusiva e exaustiva às teorias idealistas da arte. O próprio Hegel, em diversos momentos, afirma que se trata de um método estranho à arte: "A ciência busca o pensamento, o universal absoluto, não tem por objeto o que encontra diretamente no que existe, vai além do imediato. Não procede assim a arte, que não vai além do objeto que lhe é dado e, tal como lhe é dado, o toma por objeto". Existem longas páginas para justificar a necessidade e a importância dessa "fuga" ao princípio da apreciação artística, dentre as quais as mais significativas e interessantes se concentram na diminuição do valor dado à arte nas sociedades industrializadas e modernas — tema e dúvida para outro texto.

É óbvio que as teorias e as idéias de Torodov e Hegel não se desenvolvem com as mesmas intenções e nem sequer no mesmo campo. Na Poética, Todorov pouco se dedica à Estética — em certo momento demonstra ironia ao considerar as idéias de Hegel e, na sentença citada no início desse texto, encerra a questão. Hegel, por seu turno, não se dedica à elaboração de parâmetros sistemáticos para a análise exclusiva dos textos literários. Ambos coincidem, no entanto, na tentativa de dotar a crítica de rigor e métodos científicos. Assim, em diversos momentos, Todorov mostra-se profundamente hegeliano na sua intenção de definir os limites da Poética: "[...] o seu objectivo já não é a descrição da obra singular, a designação do seu sentido, mas sim o estabelecimento de leis gerais de que este texto particular é o produto" ou "Não é a obra literária em si mesma que é o objecto da poética: o que esta interroga são as propriedades desse discurso particular que é o discurso literário. Qualquer obra é então apenas considerada como a manifestação de uma estrutura abstracta muito mais geral, de que ela não é senão uma das realizações possíveis".

O mais curioso, portanto, é perceber a forma pela qual Todorov transportou para a análise formal do texto literário (sobretudo de prosa) os métodos desenvolvidos (ou popularizados) por Hegel para a análise científica da Estética em geral. A tentativa de ambos recai sobre a abstração, sobre a tentativa de superar a interpretação na busca pela conceituação.

Questões insolúveis, por certo, mas nunca infrutíferas.